A Administração Municipal de Lauro Muller, localizada no Sul de Santa Catarina, ingressou com uma ação judicial solicitando a reintegração de posse em favor do município. O Poder Judiciário deferiu o pedido, determinando a favorabilidade à municipalidade de Lauro Muller.
O EA Notícias obteve uma cópia da decisão do juiz e apresentaremos alguns dos seus tópicos a seguir: o pedido da administração municipal trata-se de: Trata-se de ação de reintegração de posse com pedido liminar ajuizada pelo MUNICÍPIO DE LAURO MÜLLER na qual o ente público municipal narrou, em síntese, que “possui a autorização ambiental para realizar a atividade de extração de seixo para manutenção das rodovias municipais, nas coordenadas UTM: 654538.31 m E; 6862132.75 mm S, situada em zona rural, especificamente no leito do rio oratório, na Estrada Geral da Vargem Grande, localizada nesta municipalidade (autorização anexa), fazendo assim, o desassoreamento do referido rio”.
Todavia, na data de 7/2/2024, segundo a exordial, a municipalidade foi impedida de exercer suas atividades no local, pois os réus, juntamente com outros populares, obstruíram o acesso ao local por intermédio de barreiras físicas e humanas, conforme fotos apresentadas (evento 1, DOC4, 1.5 e 1.8). Segundo trecho de matéria jornalística acostada à inicial, os réus estariam atuando para reivindicar ações do poder público municipal, quais sejam “a reconstrução imediata da ponte destruída pelas fortes chuvas ocorridas recentemente, o desassoreamento dos rios que atravessam a comunidade; e a manutenção das estradas utilizadas para o transporte da argila retirada de Vargem Grande” (evento 1, DOC6). Diante da situação, o MUNICÍPIO DE LAURO MÜLLER requereu, inclusive em sede liminar, a expedição de mandado de reintegração de posse e a fixação de multa diária no valor de R$ 10.000,00 aos autores do esbulho.
O MINISTÉRIO PÚBLICO OPINOU FAVORAVELMENTE PELA CONCESSÃO DA LIMINAR (EVENTO 9, DOC1).
Pois bem. Embora esse juízo se sensibilize com a situação dos moradores da comunidade de Vargem Grande e acredite que as reivindicações são legítimas (em especial a relativa à reconstrução da ponte que foi destruída pelas chuvas de janeiro desse ano), fato é que há uma antiga máxima do direito que diz que “o direito de uma pessoa termina quando começa o direito de outra”. E é essencialmente com base nesse consagrado brocardo jurídico que se estabeleceu que o direito de protesto e de reivindicação, de status constitucional, pode – e deve – ser exercido, mas sem que isso interfira gravemente na esfera jurídica de outrem.
Nesse contexto, é certo que “o direito constitucional de manifestação encontra amparo no artigo 5º, inciso XVI, da Constituição Federal, entretanto, inexistem direitos constitucionais absolutos, não podendo o exercício de um direito acarretar o sacrifício ou aniquilamento de outros direitos conflitantes, notadamente quando gozem de mesma hierarquia, cuja tensão deve se resolver mediante ponderação dos interesses conflitantes, à luz do postulado da proporcionalidade, seja na vertente da proibição de excesso, seja na de proibição de proteção deficiente” (TRF4, AG 5034621-56.2018.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 29/11/2018). É por isso que protestos e manifestações, nos termos da Constituição Federal, devem ser pacíficos (CF, art. 5º, XVI) e não podem impedir o direito de ir e vir (CF, art. 5º, XV), privar outras pessoas do seu direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII) etc.; caso contrário, estar-se-á diante de abuso desse direito fundamental, que cederá em prol dessas outras garantias igualmente relevantes.
Também deve ser destacado, aqui, o que se convencionou chamar de “supremacia do interesse público sobre o privado”, que sintetiza, dentre outras ideias, a de que o interesse da coletividade prevalece sobre o do particular ou de determinado grupo de pessoas. Trata-se, segundo a doutrina, de “pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos e resguardados” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26ª ed. São Paul: Malheiros, 2016, p. 69). Essa supremacia preconiza, em brevíssimo escorço, que, no caso de conflito entre o interesse público (geral) e o privado (particular), prepondera o primeiro.
Dito isso, no caso, há evidências suficientes de que o protesto em questão está impedindo que caminhões e maquinários da Prefeitura Municipal cheguem ao local em que o Município de Lauro Müller realiza a extração de seixo, destinado ao asfaltamento e manutenção de ruas e estradas municipais. É verdade que esse juízo recebeu até com certo espanto a notícia de que a municipalidade realiza tal extração para a manutenção de ruas e estradas, dada não só a gama de ações envolvendo danos por buracos nas vias públicas municipais, como também a existência, há meses, de um buraco na SC-446, muito próximo à locomotiva a vapor, recém-inaugurada, sem qualquer manutenção (ou indício dela).
Não se desconhece, diga-se, que essa última se trata de rodovia estadual, mas que, claramente, cruza o espaço urbano lauromüllense. De qualquer forma, as fotografias, vídeos e reportagem jornalísticas acostados à exordial dão conta que, realmente, o protesto está interferindo na extração de seixo e, consequentemente, impedindo a atuação estatal em prol da coletividade, o que deve ser remediado. De fato, passando às filigranas jurídicas, nas ações de manutenção e reintegração de posse, para ser deferida a expedição do mandado liminar, incumbe ao autor possuidor provar: I – a sua posse; II – a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III – a data da turbação ou do esbulho; IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração. Inteligência dos arts. 561 e 562 do CPC. Como se verifica, é dispensável a prova de propriedade sobre o bem, uma vez que as ações possessórias têm o condão de proteger a posse, independente da propriedade registral da coisa.
Quanto ao esbulho praticado pelos réus e outras pessoas indeterminadas e a respectiva data, os documentos apresentados com a inicial revelam a obstrução da passagem no local, bem como as matérias jornalísticas apresentadas e o ofício encaminhado por um representante da comunidade fazem prova da data do esbulho (7/2/2024). Assim, uma vez que há indícios suficientes de perda da posse, revela-se imperiosa a expedição de mandado de reintegração de posse, como pretendido pela municipalidade. Ante o exposto, porque presentes os pressupostos, defiro o pedido liminar e determino a imediata reintegração do Município de Lauro Müller na posse da rodovia municipal objeto desta ação, mais especificamente em relação às coordenadas UTM: 654538.31 m E; 6862132.75 mm S, situada em zona rural, no leito do rio Oratório, situado na Estrada Geral da Vargem Grande.
Expeça-se mandado de reintegração na posse (CPC, art. 563), a fim de que os réus, bem como quaisquer outros populares presentes no local, desobstruam imediatamente a via objeto do pedido inaugural, procedendo à retirada dos automóveis e quaisquer outras barreiras físicas e humanas ali existentes, sob pena de imposição de multa diária a ser fixada em caso de novos bloqueios, ficando autorizado, desde logo, o uso de força policial, se necessário e caso assim certificado pelo Oficial de Justiça.
Cumpra-se com urgência. Intime-se. Diligências necessárias.
A decisão foi proferida pelo Poder Judiciário, O EA Notícias entrou em contato com os moradores da comunidade, os quais confirmaram sua intenção de acatar a determinação judicial. Além disso, comprometeram-se a discutir as reivindicações em nome da comunidade durante uma reunião agendada pela prefeita de Lauro Muller para o próximo dia 20/02/24, às 19:00 horas, no salão de festas local.